sexta-feira, 18 de julho de 2014

Always

A melhor droga do mundo são os filhos

Brilhantemente escrito, tinha de partilhar.
Por Sofia Anjos
- Olá, o meu nome é Sofia e há 14 meses que sou viciada na minha filha. Há 24 horas que não mostro uma fotografia dela a ninguém.
Estou numa fase tramada do vício mas tenho esperança de recuperar e vir a ser uma mãe normal. Se me perguntarem, nego. “Eu, filho-dependente?! Ora essa, tenho tudo sob controlo. Querem ver uma fotografia da Laura? Ou talvez um vídeo dela a comer uma bolacha?”
Antes de ter filhos, toda a gente me avisou: “Pensa bem… Olha que depois de experimentares é para toda a vida”. Felizmente, não sou a única adicta neste grupo de Filho-Dependentes Anónimos. Há muitos pais viciados nos filhos. Porque a parentalidade pode causar dependência. Mães e pais incluídos que, de um dia para o outro, quando dão por si, estão agarrados aos filhos. Basta uma dose e já não conseguem largar. Porque quem experimenta, quer mais. E fica lá.
A melhor droga do mundo são os filhos. Posso dizê-lo porque não resisti e experimentei. Comigo a coisa passou-se assim: à minha volta andava tudo a dar nos filhos. Contavam maravilhas, diziam que era uma “curte”. Uma noite, arrisquei. Foi bom mas só senti o efeito nove meses mais tarde.
Foi como recém-mamã que a dependência tomou conta de mim. Culpa também da Natureza, que me aliciou com muitas hormonas protetoras e cheias de prazer. De borla.
Assim que dei à luz tive uma sensação de euforia, induzida pela oxitocina e pela dopamina - responsáveis por, fisicamente, despoletarem o meu primeiro nirvana maternal. QUE CENA.
Com a Laura finalmente nos braços, inspirei profundamente. O seu cheirinho a bebé activou novamente o meu cérebro que, em jeito de “Parabéns, Mamã!”, não perdeu tempo a presentear-me com mais uma dose da gulosa oxitocina. Seguiu-se uma reação química que instalou a ansiedade pelo bebé. E aqui começou esta relação de co-dependência. Que prevejo crónica.
A mente maternal fez o resto. Não resisto a abraçá-la, dar-lhe colo, embalá-la. A controlar cada grama de crescimento. O vício entranha-se no pensamento mais que nos braços. E dou comigo mais alerta que nunca, os meus sentidos perfeitos: ouço um gemido a 100 metros de distância e nenhum grão de pó me escapa ao olhar.
Cada sorriso que a minha filha me devolve é uma moca maravilhosa. Fico inebriada, são segundos intensos em que me sinto a melhor-mãe-do-mundo. Por isso, todos os dias consumo em busca de outro sorriso, um gatinhar, uma nova palavra. A miúda começou por dizer “cão”. Mas quando calhou dizer “Mamã” fiquei tão compensada que tive uma ligeira quebra de tensão. E fui beber um copo de água. Nessa noite, quando me deitei, compreendi a famosa frase de que “Ser mãe é padecer no paraíso”; fez todo o sentido por alguns segundos. Oh, it was just a perfect day!
Claro que a maioria dos pais tem um grau de dependência dos filhos moderado, ou seja, socialmente aceite. Hei-de ser assim, mas não agora. Quero curtir um bocadinho mais; só mais uma vez; a última, talvez.
Porque não quero ser como aqueles pais que não se controlam e vivem em função do que os meninos pedem. Comportam-se como autênticos junkies. Arranjam forma de falar dos filhos a propósito de qualquer assunto. Têm a sua fotografia na carteira, desktop do computador, ecrã do telemóvel, colada no frigorífico. E pendurada na parede, por cima da cama, a substituir o Jesus na cruz. Ajoelham e rezam ao menino, mas neste caso, ao deles. Porque em casa de pais viciados, não basta ter a criança ao vivo: tem de ser omnipresente.
Não acredito em pessoas que não têm vícios, aliás, não conheço nenhuma. Todos temos um víciozinho de estimação. Penso que encontrei o meu. A minha filha é a minha heroína. E é só o que quero a correr-me nas veias.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

sexta-feira, 28 de março de 2014

Temos filhos para os ver dormir

No país dos filhos únicos, quem tem um filho é rei. E no país dos filhos únicos, quem é rei é remediado. E quem é remediado, não tem tempo.
Tudo se cria, dizem. E numa mesa portuguesa comem dois e quem mais se sentar, basta apertar os cotovelos. Somos um povo com jeito para somar, acumular, aumentar o que quer que seja, excepto rendimentos. E filhos. Passo a redundância.
Esta sociedade, apesar de liderada por um coelho, não está para grandes procriações. E não é por causa da suposta geração egoísta que não quer filhos. Nem por causa da idade tardia ou da evidente falência do casamento. E muito menos pela cómica desculpa de que agora as mulheres trabalham.
O que devia contar é a vontade de ter filhos. E o natural seria haver condições para quem está cheio de vontadinha. Mas contas feitas a este desejo de pré-gravidez, as mulheres fecham as pernas. Algumas, mais corajosas, abrem-nas e gritam “Oh, meu Deus! Oh, meu Deus!”. É que vão precisar de toda a ajuda.
Começa com 50 euros mensais para as latas de leite na farmácia, 85 euros para a consulta numa pediatra particular, 70 euros para uma das muitas doses de vacinas incentivadoramente fora do plano de vacinação nacional. A farmácia é a segunda casa de uma recém-mamã onde mensalmente contribui com a dízima. Quem não tem seguro de saúde, fica com o rabo quadrado das cadeiras miseráveis dos centros públicos. E pede o papelinho de justificação por ter faltado a manhã toda ao trabalho.
Veja-se a lista de artigos a comprar para quem vai ser mãe pela primeira vez. Mesmo comprando tudo de marca branca, em promoção ou nas feiras de bebés, difícil será não puxar do cartão de crédito. “Posso prescindir do soro fisiológico?" Sim, substitua por água. “Posso prescindir das compressas?” Sim, substitua por algodão, do mais baratucho e depois retire os fiapos que ficaram colados na cara do bebé com a unha. “Posso prescindir do aspirador nasal?" Sim, use soro. Não, já prescindiu do soro, use água. “Detergente específico para roupa do bebé?" Modernices, use sabão azul e branco.
Simplificamos a lista e a criança nasce. E a sociedade presenteia-a com quatro meses de licença maternal a 100% de remuneração. OBRIGADA! Se quiser mais um mês, pode tirar, mas já não recebe por inteiro. Breve dúvida maternal: o bebé ou o dinheiro?
“Posso prescindir da creche?" NÃO. “Então, faça o favor de pagar 350 euros mensais e se vier buscar o bebé depois das 17h30 paga mais.” Perfeito, saindo às 18h30 do trabalho, os pais ficam muito bem vistos pelo chefe. E garantem que não serão promovidos enquanto a criança andar de gatas. Mas talvez mantenham o emprego. “Não tem que chegue para pagar a creche? Ponha a criança numa creche social, só paga em função do rendimento e basta esperar dois anos para ter vaga”. Ah... se calhar é melhor ir fazercastings para anúncios de mães que chegam atrasadas para ir buscar os filhos que confiam nelas.
But it’s not about the money! Parece que é mas não é. A grande comédia parental, de que todos fazemos parte, é que não temos tempo para ter filhos.
Fazemos contas à vida para ter filhos para depois os deixar em algum lado. Temos filhos para perguntar “Onde é que o ponho agora?”. Temos filhos para os levar de manhã à escola e os recolher à noite. Temos filhos para os ver dormir.
É tão bom ter filhos que, quase todos, queremos um. Claro que damos um jeitinho e lá arranjamos um pé de meia para o dia-a-dia. Mas o que falta nas prateleiras do supermercado são promoções de tempo: na compra de um pacote de fraldas, oferta de duas horas para estar com o seu bebé. O que falta nas farmácias é uma vacina contra os atrasos. Não adianta comprar compressas se não temos tempo. 
Sou rainha no meu país: tenho uma filha, um quarto só para ela, tenho emprego onde ganho bem mais que o ordenado mínimo e conto com a ajuda das avós. E esta sociedade diz-me para ficar radiante e não me queixar, pois desejar mais tempo para estar com ela não está previsto na legislação. E muito menos nas mentalidades. Para já, vou esperar para ver que novas medidas de incentivo à natalidade vão sair da cartola. Para perceber se terei tempo para imaginar um segundo filho.

Fonte:http://lifestyle.publico.pt/maeshamuitas/332351_temos-filhos-para-os-ver-dormir

domingo, 23 de fevereiro de 2014

terça-feira, 14 de janeiro de 2014